“Você tem WhatsApp?”

whatsapp-logos-1024x795Não, não tenho. E queria tentar explicar aqui o porquê não quero ter.

Cresci chamando meus amigos no portão de suas casas. Era só gritar o nome, bater palmas ou tocar a campainha.

Depois, me deparei na 4ª série com uma amiguinha que usava um bip (comunicador de texto) para se comunicar com a mãe dela, dizer que estava bem, que tinha chegado bem em casa, essas coisas. Lembro de ter perguntado se aquilo não a incomodava, ter que se comunicar o tempo inteiro com a mãe. Ela disse que não. Eu, por via das dúvidas, não quis um celular antes de ser estritamente necessário. Só fui ganhar o celular usado da minha irmã e ainda com muito custo usá-lo, pela insistência da minha mãe, quando entrei no primeiro ano da faculdade, em 2006. Antes disso ele não me fazia nenhuma falta. Combinei todos meus rolês de adolescência no velho e eficaz modo de ligar para a pessoa do telefone fixo de casa, dizendo dia, hora e local do encontro. Pimba! Todos os encontros com amigos davam certo.

Nessa época, todos nós passamos pelo chat do UOL, quando mentíamos a idade e entrávamos nos chats “de 20 a 30 anos” quando, na verdade, tínhamos 15. Então, veio a época do ICQ. E a pergunta: “Tem ICQ?”. Decorávamos o número dos amigos e quando o programa dava pau, a gente baixava o novo modelo do ICQ. Depois veio o MSN, e quem usava ICQ estava ultrapassado. Depois, o Orkut. E, logo, quem usava Orkut também estava ultrapassado, pois não tinha o Facebook. O Skype também apareceu, mas não com muita força. O JustVoip também caiu em desuso. Aí apareceu o WhatsApp, mas logo será enterrado pelo Viber ou algum outro que surja. E nós vamos trocando de um para o outro, sem pararmos pra pensar na quantidade de logins e perfis que criamos para nos comunicar com as pessoas.

“Ai, mas porquê vc não faz? Facilita tanto a comunicação!”

Facilita mesmo? Tem certeza? Já deixei de ser convidada (e também deixei de convidar) para vários rolês que meus amigos armaram pelo novo aplicativo da moda. Mas quando os encontro em algum rolê que foi marcado (por sorte!) também pelo Facebook, percebo que passam boa parte do tempo grudados no celular respondendo mensagens que saltitam o tempo inteiro vindas do WhatsApp. Estão perdendo o espaço que marcaram anteriormente para marcar um outro espaço de sociabilidade do futuro. E o pior é que não percebem que estão ignorando as pessoas que estão ali naquele momento.

Os mecanismos do capitalismo na sociabilidade são muito sutis. Vão te excluindo aos poucos dos rolês combinados via “novo aplicativo da moda”, porque usam a internet de 50 centavos/dia e não vão pagar mais 50 centavos/dia “só pra mandar um SMS pra vc”. Quando você percebe, já era. É a única sem o aplicativo da turma, a única que precisa comprar um celular com tecnologia Android touch para se reinserir na sociabilidade dos amigos. Mas peraí! Realmente precisa de um outro celular? O antigo foi roubado ou estragou? Não. É só pra sociabilizar mesmo. E ficar como o resto, marcando rolê-futuro enquanto perde o rolê-presente.

Nós estamos sempre querendo nos atualizar e entrar no mesmo patamar dos outros. Mas a verdade é que tem sempre um outro aplicativo sendo inventado, que vai superar esse que você acabou de baixar. E faz parte da alienação e da falsa sociabilidade achar que esses aplicativos facilitam nossas relações sociais.

Quem quiser falar comigo, que me mande um e-mail, mensagem no Facebook, me ligue no celular ou mande SMS. Já não tá bom, minha gente?

Saudades do tempo do ICQ

Lembro da época do ICQ e do Msn quando a gente ficava chateada de ter que sair do chat com um(a) amigo(a) sem conseguir dar tchau. Podia ser porque a conexão caiu (ou a luz), ou a mãe ou a irmã queria usar. Hoje em dia já virou padrão iniciar uma conversa por chat do Facebook ou do Gmail, depois sair e deixar a pessoa falando sozinha. Pode acontecer uma coisa ainda pior: você vê fulaninho ali online e se sente no direito de sair metralhando perguntas. E se a pessoa não te responde na hora, ainda questiona: “Porque deixa online então? Deveria ter o mínimo de coerência e colocar ocupado, ou melhor: fica invisível logo!”

É assim mesmo que a gente pensa? Se fulaninho não está disponível para me dar as respostas que quero, deveria é sumir da minha vida, desaparecer, ficar invisível? Ai ai ai… onde nos levará esse mundo do imediatismo internético?
Pode ser que naquela época do ICQ estívessemos ainda presos à relação virtual parecida com o real, e não soubéssemos que não dizer “tchau” no chat não ia magoar ninguém. Só espero que as coisas não se invertam e as pessoas saiam andando sem dizer que estão indo embora enquanto tomamos uma cerveja, conversamos sobre a vida ou desabafamos o pesadelo da última noite.

Posso dizer que tive que me convencer e me acostumar a não dar e receber “tchau” e não dar e receber “oi” nos chats atuais, porque esse era o protocolo que tinha entrado em vigor. Gosto de pensar em como os relacionamentos virtuais impactam os reais e vice-versa.

Bichinho virtual

– Meu marido acha que só porque chega em casa e pega o cocô do cachorro, ele é o melhor marido do mundo. Eu tenho “o melhor marido do mundo” porque ele pega o cocô do cachorro. (…) E eu não sei o que fazer com a Isabela. Eu chego em casa e ela não pára de falar. Não cala a boca! Eu te juro. Eu só quero chegar em casa e ficar quietinha na minha, mas ela não fica quieta. Eu não quero nem tomar banho, nem comer, só quero minha cama! E o pior é quando ela fica fazendo aquela voz de criancinha, de retardada. Ela não pede normal “Pai, me dá um dinheiro pra eu comprar doce.” Ela pede com aquela vozinha de retardada mental. O Anderson se irrita e eu também, fico num estado de nervos, meu sistema nervoso ataca. Acho que ela quer chamar a atenção. (…) Uma outra criança, com 1 ano, 1 ano e pouquinho já faz companhia pra outra mais velha. A Isabela quer brincar de casinha comigo. Imagina! Eu, uma mulher de 25 anos, cheia de problemas, cansada, bonitona ali ter que chegar em casa e brincar de casinha com a Isabela. E se eu não brinco ela fica magoada, tá?

Ela saca de dentro da bolsa um celular touch e começa a brincar com o Pou, um simpático aplicativo de celular que imita nosso antigo bichinho virtual. Ela dá carinho a ele, dá banho, brinca e coloca uma fita. A amiga do lado a adverte:

– Nossa, mas você deixou ele bem brega hein!

poucansado

Abraços

– Ontem meu pai me deu um abraço. Fiquei mó feliz!

– Que bom, amiga! E como foi?

– Foi assim, eu tava lá sentada né… aí ele veio com os braços estendidos e disse “Filha, te amo!”

As duas amigas estavam encostadas na parede interna do vagão de trem, enquanto secavam o suor que escorria pela testa. O ar condicionado dava um choque térmico e impedia que as duas continuassem a suar.

Gostei da explosão de felicidade da menina ao dizer que se sentiu “mó feliz”, com certeza ela nem se lembrava de como era o abraço daquele pai que chega sempre mau humorado do trabalho. Ontem ela se lembrou. Gostei também de imaginar como tinha sido o abraço, com os braços estendidos. Apertado ou suave? Apertado, óbvio. É assim o abraço de quem sente saudade. Daquela filha que cresceu e já não é uma menininha, daquela adolescente que aborrece e é mal educada.

A falta de abraços e carinho entre pais e filhos, parentes e amigos deixa nossas relações fadadas ao carinho protocolar, por obrigação, para manter o bem estar cotidiano. Sem perceber, nos relacionamos com eles como se estivéssemos fazendo a lista de compras do supermercado. “Já visitei o tio Euclides? Ainda não. Mas o primo Augusto, que foi pai, já! Ufa! Menos um…”

E assim vamos levando a vida, entre fazer reclamações, anotar protocolos e mandar eletrônicos para a assistência técnica. Entre um trânsito e outro, entre o empurra-empurra do busão, do metrô e do trem. Vamos tocando em frente, até que nos toquem apenas os desconhecidos apertados enquanto a porta se fecha, e o abraço de um pai seja como um relampejar em um céu azul.

 

Foi-se embora

Estávamos as três conversando na plataforma da estação República. Alguma coisa me dizia para sair dali, já era quase 20h30 e eu estava cansada, querendo ir pra casa. Mas a menina, recém-conhecida, nem amiga, nem nada ainda, não parava de perguntar coisas sobre o trabalho. Coisas que eu e minha colega dissemos que ela podia perguntar por telefone, mas ela insistia em nos segurar ali.

Tirei o celular da bolsa e olhei no relógio – era para dar um sinal à moça de que queríamos ir embora. Celular de volta ao bolso e olhar desesperado. Ok, sinal dado. Outro trem chega, gente desce, gente sobe e um homem com sacolas pesadas passa pelo meio de nós, me dando um esbarrão com um olhar fixo. Foi-se embora o homem, a moça tagarela e naquela confusão de gente, fomos nós também.

Procuro o celular novamente e nada. Foi-se embora ele com quem? Mágicas foram as mãos que o tiraram de mim. Mágico foi o olhar que se segurou no meu pra me distrair. Aquele friozinho na barriga pensando em quantos números de amigos foram subtraídos de repente. E quantas não foram as mensagens de carinho que não poderei mais ler antes de dormir.

Acumular coisas não faz bem e todas as vezes que sou furtada me lembro disso. De como era livre e solta quando não tinha um número que se ligava a mim. Ao mesmo tempo, como estamos presos uns aos outros por chips que se descartam por aí. Furtou-me o aparelho, os números, os SMSs, as fotos. Deu-me vida nova, vontade de me abrir.

Tranquilo

Andávamos juntos pela calçada esburacada. Ele na frente, eu atrás. Ia num passo leve, distraído, pensando em coisas triviais. Até que percebeu meus passos atrás – mais rápidos e chegando a qualquer momento. Meus passos oprimiam os seus. Olhou assustado pra trás e logo em seguida pediu desculpas:

– É que nessa cidade, a gente nunca sabe, ouve um passo atrás e já fica com medo.

– Tranquilo. Eu também faço isso.

Mas queria não ter que fazer. Queria poder andar leve com meus pensamentos voando como estavam os dele. Sem preocupações e sem pensar que estava no Largo da Batata às 22h de uma noite fria, com ruas escuras e esburacadas, em eterna reforma. Queria poder andar na rua com a tranquilidade com que andamos em casa.

Cirúrgico

Imagem
 
A agulha entra, firme e precisa
Vai direto no pescoço
Adormecido
Sinto a pele se rasgar
Como o estilete corta o papel
 
Fio?
Náilon 5
Já costura?
Fio entra, pele puxa
Pele puxada, fio saindo
 
Nada como se sentir 
um pedaço de papel
um pedaço de pano
um pedaço de pele

Apê tomado

casatomada Durante a mudança, deixei minha mãe sozinha no apartamento enquanto buscava o resto das coisas na outra casa. Quando cheguei minha mãe apareceu com uma cara de susto: “Fiquei cismada de ficar no quarto, está fazendo uns barulhinhos estranhos no teto.” Pedi para ficar tranquila, os barulhos eram “normais”, segundo minha companheira de casa e, além do mais, “depois a gente acostuma”. O antigo morador também os ouvia e no quarto vizinho os barulhos também aconteciam.

Eram rangidos vindos do teto. Creeeeeec, crec, crec, creeeeeeeeeeeeec. Cre-cre-cre-crec. Seriam pombas? Ratos que moram sobre nossas cabeças? O forro do teto é branco e de plástico. Podem ser os barulhos das patinhas das pombas, deve ser uma família inteira que mora ali. Ou apenas o barulho do vento no plástico?

Meu pai advertiu: “Aquela barriga ali no forro é sujeira. Isso está prestes a cair. Coloque a cama mais para cá, pelo menos se essa sujeira cair não será em cima de você.” No primeiro dia admito que dormi apreensiva, mas logo os rangidos passaram a embalar meu sono. Uma terra vermelha cai do teto de vez em quando e já aconteceu da terra vir acompanhada de água quando caíram chuvas torrenciais. Acho que nós duas nos acostumamos a limpar a terrinha que fica pelos cantos do quarto e a imaginar que é o barulho do vento, até o dia em que o teto, os ratos, as pombas e a terra caírem sobre nossas cabeças.

Livremente inspirado no conto “Casa tomada” de Julio Cortázar

784 minutos

No Hospital do Servidor Público a gente chega pra fazer exame de sangue com jejum de 12h e sai de lá com jejum de 15h. Quando vi o tempo de espera na senha desacreditei: 784 minutos. Pensei que era uma miragem de fome, mas não era. Guardei a senha como prova do descaso com a saúde pública e fiz as contas: 784 dividido por 60 minutos = 13 horas. Imaginei uma rave dentro do Hospital ou um acampamento: “- Vai uma breja aí? – Não posso, to em jejum há mais de 24 horas pra fazer o exame…”

Primeiro dia de aula

lancheira Familia Dinossauro Hoje me deparei com uma menina chorando desoladamente em cima da mesa de xadrez. Perguntei a causa do choro e ela nem conseguia responder: “é… que… (soluço) eu (soluço) quero (soluço) casa”. Fiz ela respirar fundo e pedi pra ela tentar se acalmar, então entendi: queria voltar pra casa, a mãe estava trabalhando e só sua irmã a acompanhava. Depois fui entender o motivo de fundo: era o primeiro dia de aula e ela estava numa escola nova no auge dos seus seis anos de vida. Lembrei-me de como também chorava nos primeiros dias de aula e até das sensações que eu tinha. Um desespero ia tomando conta de mim e eu nem queria pensar no pão com maionese e na groselha que minha mãe tinha preparado pra hora da merenda. Aquele desespero embrulhava meu estômago e se misturava com o aperto da garganta. De repente eu achava que minha vida tava acabada, e que só me restava chorar e fingir que estava doente pra voltar pra casa. Foi a tática que eu encontrei, e deu certo nos primeiros dias. Só nos primeiros dias. Mal sabia eu que a vida e os problemas estavam apenas começando. Ou sabia, e por isso o choro? Não sei.